Preparação técnica na natação em sessão separada?
- Postado por Guilherme Tucher
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- Data 5 de janeiro de 2023
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No final de 2022 eu participei do II Simpósio Internacional Online de Ciências do Exercício e do Esporte organizado pela Universidade Federal do Espírito Santo.
O evento foi remoto e após as apresentações os participantes podiam enviar perguntas pelo bate-papo.
Eu recebi três perguntas que não foram respondidas por causa do tempo.
Então eu resolvi gravar um vídeo de resposta para cada pergunta.
Esse vídeo é a resposta à pergunta 1.
Eu espero que a resposta chegue aos colegas que fizeram a pergunta.
PERGUNTA 1 do Hudson Menezes – Professor Guilherme, em atletas de categorias de formação, o que seria melhor, preparação física e técnica numa mesma sessão ou em horários diferentes?
Hudson, obrigado pela sua pergunta. Vamos definir alguns termos da sua pergunta para que todos possamos falar a mesma língua. Além disso, vamos fazer uma contextualização que eu acho importante.
CATEGORIAS DE FORMAÇÃO ESPORTIVA
Vamos lá.
Me baseando na proposta do treinamento em longo prazo (BALYI, WAY e HIGGS, 2013; LANG e LIGHT, 2010) eu vou considerar como “categoria de formação” o período do início da prática da natação – sistemática e organizada, ou não – até o período que consideramos que o indivíduo deve treinar para ganhar.
Assim, estamos falando de um período que vai até cerca dos 16 anos para as mulheres e 18 anos para os homens.
Certo até aqui?
OBJETIVO DO TREINAMENTO DA TÉCNICA
Agora vamos entender que a importância e o objetivo do treinamento técnico ao longo das categorias vai mudar – mesmo que todos estejam dentro de um período de formação esportiva.
Crianças de 10 anos, por exemplo, mesmo que já participem de competições, deveriam estar aprendendo alguns dos nados e talvez, aperfeiçoando alguns pontos técnicos de outros nados.
Além disso, muito possivelmente realizarão exercícios de técnica por meio do método parcial ou misto. Destaco ainda que deve haver atenção constante por parte do treinador, que observa o movimento, seu ritmo e amplitude, para fazer correções – afinal de contas não estamos falando do condicionamento físico de um movimento realizado com qualidade.
Por outro lado, se pegarmos jovens de 14 anos, mesmo que ainda haja pontos técnicos a melhorar, eles possivelmente estarão dentro de uma proposta de aperfeiçoamento da técnica e de detalhamento a partir de algumas distâncias competitivas.
Para esse momento, muito possivelmente, as correções da técnica acontecerão por meio do método global. Ou seja, acontecerão por meio do próprio nado sendo realizado e não por meio de suas partes menores – como em exercícios só para a respiração, braçada ou pernada.
Beleza, então já discuti sobre a primeira parte de entendermos que a importância e o objetivo da técnica para as etapas de formação são diferentes.
CARACTERÍSTICAS DAS IDADES
Agora vamos a contextualização que falei para vocês.
Crianças mais novas, muito possivelmente dos 8-9 até os 11-12 anos têm uma grande dependência de algum responsável para levá-las ao treino. É lógico que isso pode variar de cidade para cidade, mas essa é uma ideia geral.
Assim, é difícil que os atletas mais novos tenham alguém a sua disposição para levar e pegar no treino duas vezes ao dia. Além disso, geralmente essas crianças têm outras obrigações com educação e até mesmo sociais.
Além do tempo na escola fazem aula de inglês ou aprendem algum instrumento musical – por exemplo. E é bom que seja assim, pois estamos falando de uma criança. Ela deve ter múltiplas e variadas experiências.
Ou seja, pode ser que essa criança não tenha tempo para fazer duas sessões de treino por dia. Além disso, eu questiono se isso é realmente importante.
Considerando os jovens a partir dos 13-14 anos, pode ser que já tenham mais autonomia para ir ao treino sozinhos. Entretanto, de qualquer maneira, eles também têm outras obrigações.
Essa realidade também deve ser considerada, pois caso contrário o jovem pode abandonar o esporte antes mesmo de chegar ao seu momento cujo objetivo seja realmente o rendimento.
Agora eu vou realmente a minha resposta à sua pergunta. Eu poderia ter ido direto a ela, mas achei importante fazer essa breve discussão inicial.
VOLTEMOS A PERGUNTA
A pergunta foi: “em atletas de categorias de formação, o que seria melhor, preparação física e técnica numa mesma sessão ou em horários diferentes”.
E a resposta é que DEPENDE.
De uma maneira geral, dividir as sessões de treino longas em sessões mais curtas é interessante para a aprendizagem, para a manutenção do foco, da motivação e mesmo da intensidade do treino. Para crianças também ajudaria a não tornar o treino longo e monótono.
Ou seja, ter um momento para que os atletas façam atividades de baixa intensidade com foco na técnica e outro para o foco no desenvolvimento físico seria interessante para todas as categorias.
Entretanto, elas nem sempre tem essa disponibilidade. E como eu disse, o objetivo da técnica muda ao longo das categorias.
SUGESTÃO DO QUE FAZER
Assim, minha sugestão é que para os atletas mais novos, o treino da técnica – com utilização dos métodos parcial e misto, seja realizado na mesma sessão do treino aeróbico de baixa intensidade.
Você está unindo em uma mesma sessão uma mesma exigência física – que é o aeróbico de baixa intensidade para desenvolver a técnica e o sistema aeróbico propriamente dito.
Assim, na primeira parte – da técnica, o foco é nas ações isoladas (exercícios de braçada, pernada, respiração, virada). Depois, na segunda parte – do desenvolvimento aeróbico de baixa intensidade, apesar do foco ser na parte física, você pode fazer as correções a partir do movimento como um todo.
Ou seja, o que ele treinou e aprendeu na primeira parte deve se manifestar na segunda parte.
À medida que o atleta progride entre as categorias e que o objetivo da técnica também muda, o treinamento da técnica pode acontecer em estímulos de maior intensidade – pois afinal de contas, na competição ele nada em intensidade; inclusive os anaeróbicos.
Ou seja, a tendência é que o treino isolado e em baixa intensidade da técnica aconteça cada vez menos e em conjunto com os estímulos físicos.
Assim, para os atletas mais velhos – mas ainda em formação, fazer sessões menores e mais frequentes (se possível) pode ajudá-los a nadar mais intenso e conscientes do movimento que estão realizando ou que deveriam realizar.
Eu ainda teria outros pontos para trazer, porque as possibilidades são amplas, mas isso fica para uma próxima.
Hudson, eu espero ter ajudado. Um abraço.
SUGESTÃO DE LEITURA:
BALYI, I.; WAY, R.; HIGGS, C. Long-term athlete development. Human Kinetics, 2013.
LANG, M.; LIGHT, R. Interpreting and implementing the long-term athlete development model: English swimming coaches’ views on the (swimming) LTAD in practice. International Journal of Sports Science & Coaching, v. 5, n. 3, p. 389-402, 2010.
É docente no curso de graduação e no programa e pós-graduação em educação física da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na EEFD ainda é coordenador do Grupo de Pesquisa em Ciências dos Esportes Aquáticos (GPCEA).
Doutor em Ciências do Desporto (2015), Mestre em Ciência da Motricidade Humana (2008), Especialista em Esporte de Alto Rendimento (2014), em Natação e Atividades Aquáticas (2004) e em Treinamento Desportivo (2005), e Graduado em Educação Física (2003).
Docente no ensino superior desde 2005, atuou ainda como professor de natação trabalhando com diferentes níveis de aprendizagem e aperfeiçoamento, bem como treinador de natação competitiva participando de campeonatos estaduais (RJ) e nacionais.