Modelo contemporâneo de periodização

Como já discutido anteriormente, a própria necessidade do esporte fez com que treinadores, atletas e cientistas pensassem em um novo modelo de periodização. Para eles, o Modelo Tradicional já não atendia por completo suas necessidades (1).

Uma das principais características do Modelo Contemporâneo é a possibilidade de obtenção de vários picos com ótimo desempenho durante a temporada. Issurin (1) expõe a ideia de que os melhores atletas do mundo (esportes individuais) apresentam uma grande estabilidade de desempenho entre picos principais (quando há períodos curtos de 14-43 dias). Como exemplo, Issurin (1) refere-se ao saltador com vara Sergei Bubka. Apesar de ser apenas um caso, vale a pena analisar as informações: foi realizada uma preparação de 3 meses (sem competição) seguidos de 9 meses de competições (cerca de 250 dias). O intervalo entre as competições foi em média de 22-27 dias (variando entre 12 a 43 dias). Seu resultado oscilou entre 92% a 100% da sua melhor marca pessoal.

Destaca-se que este tempo entre competições (entre 12 a 43 dias) pode ser suficiente para um tipo de recuperação ativa e treinos curtos, mas insuficiente para realizar um novo ciclo de preparação geral. Da mesma maneira, os 9 meses de competição envolviam as principais competições da modalidade. Não é possível seguir os conceitos defendidos pelo Modelo Tradicional (1). Assim, apesar do período curto entre as competições, as condições adequadas para um bom rendimento deveriam ser mantidas de alguma maneira. A proposta seria a adoção de planos de treino com cargas concentradas-unidirecionais (1). O cuidado que acredito que devemos ter na interpretação destas informações é que, apesar de não conhecer com profundidade o treinamento de um saltador com vara, creio que não envolva a mesma complexidade de organização dos estímulos de treino como aconteceria com outras modalidades individuais e principalmente com as coletivas.

O Modelo de Cargas Concentradas Unidirecionais foi proposto por Verchoshansky (1, 2) para preparação de atletas de potência e testado inicialmente em saltadores em altura. Nessa proposta inicial foi realizado um mesociclo de 4 semanas de carga concentrada de força, seguido de um mesociclo de 2 semanas de recuperação com foco no aperfeiçoamento técnico, velocidade e condicionamento físico geral (1). Como consequência, inicialmente os indicadores de força diminuíam gradualmente. Depois, na fase de recuperação, alcançavam níveis superiores aos apresentados no início do programa de treinamento. Essa combinação de estímulos (força concentrada e recuperação) repetiu-se ao longo do ciclo anual.

A literatura da área indica que os ganhos de força e potência são explicados pelo chamado “efeito posterior duradouro do treinamento”. Quanto maior for o decréscimo da força na fase inicial (que pode durar de 4 a 12 semanas), maior será o seu aumento alcançado na fase de recuperação (que deve ter uma duração proporcional ao da primeira fase). Essa proposta foi adaptada também para outras modalidades (1). Reflexão pessoal: será que essas adaptações são realmente possíveis? Até que ponto são adaptações e não modificações? As consequências seriam as mesmas?

Posteriormente a utilização do conceito de cargas concentradas foi transferido das modalidades de potência para outros esportes, como o basquete (outra adaptação!). Neste caso especificamente, Issurin (1) cita o artigo de Moreira, Oliveira, Okano et. Al. (2004), publicado na Revista Brasileira de Medicina do Esporte. Neste estudo o ciclo anual foi dividido em dois macrociclos com duração de 23 e 19 semanas. Cada macrociclo foi composto por 3 fases: (i) fase de carga de força e potência (com 8 e 3 semanas, respectivamente para os macrociclos); (ii) fase de recuperação (2 e 3 semanas, respectivamente); e (iii) fase de competição em um evento regional (13 semanas nos dois macrociclos). Ao final do estudo houve melhora significativa nos testes de potência – como preconizado pelo efeito posterior duradouro. Entretanto, Issurin (1) destaca a ausência de grupo controle e a não citação do comportamento da equipe na competição. Ainda acrescenta que possivelmente uma primeira fase muito longa poderia ter uma consequência negativa na preparação específica dos jogadores.

Após essa introdução geral sobre o Modelo em Blocos, Issurin (1) traz uma conclusão não muito animadora. Ele cita que o desempenho esportivo é fruto de uma complexa interação física e técnica. Essa característica restringe a aplicação do conceito de treino unidirecional nos programas de treino atuais.

Pessoalmente minha crítica reside no fato das Metodologias de Periodização tentarem tornar previsível e controlado algo que é extremamente complexo – que é o rendimento esportivo. Considero que ainda é dada muita ênfase ao componente físico do desempenho, mas ele é apenas mais uma das variáveis. Assunto semelhante que é muito discutido nas ciências do esporte é a importância do treinamento e da genética no rendimento esportivo. Afinal de contas, o atleta nasce pronto ou é fruto do seu treinamento? Sobre esse assunto, sugiro uma leitura, que é bem interessante, do artigo de Tucker e Collins (3).

Até a próxima e bons treinos.

Prof. Guilherme Tucher (tucher@guilhermetucher.com.br)

Sugestões de Leitura

1.         Issurin V. New horizons for the methodology and physiology of training periodization. Sports Medicine. 2010;40(3):189-206.

2.         Oliveira PR. Periodização contemporânea do treinamento desportivo: modelo das cargas concentradas de força. São Paulo: Phorte; 2008.

3.         Tucker R, Collins M. What makes champions? A review of the relative contribution of genes and training to sporting success. British Journal of Sports Medicine. 2012;46(8):555-61.

4.         Moreira A, Oliveira PRd, Okano AH, Souza Md, Arruda Md. Dynamics of the power measures alterations and the posterior long-lasting training effect on basketball players submitted to the block training system. Revista Brasileira de Medicina do Esporte. 2004;10(4):243-9.

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

*