O que é nadar?

Afinal de contas, o que é nadar?

Se você é professor de natação eu acredito que essa é uma pergunta muito fácil de ser respondida. Mas ao mesmo tempo que ela é fácil, é um pouco ardilosa.

Sabe por quê? Porque o seu entendimento do que é saber nadar direcionará aquilo que você ensina em suas aulas.

Afinal de contas, o que é nadar?

Assim, para que possamos ensinar “o saber nadar” e defender aquilo que ensinamos, precisamos definir o que é isso.

Eu entendo o nadar como a capacidade de se deslocar (submerso ou na superfície) ou de se manter na superfície da água de forma intencional. Para isso, você pode utilizar o movimento dos braços e das pernas – em conjunto ou isoladamente. Você também pode usar o corpo todo, ou parte dele.

Percebam que é uma definição bem ampla se compararmos ao entendimento que geralmente as pessoas têm. E isso é proposital. E é esse entendimento que pauta o meu ensino.

Esse entendimento amplo do que é nadar pauta a minha ação pedagógica. Quando faço o meu planejamento, quando avalio o meu aluno, o momento e as condições de aprendizagens, esse entendimento sempre está presente.

E se você tem outro entendimento?

Por outro lado, se para um professor o saber nadar se refere a utilizar os movimentos corporais próximos aos do Crawl, do Costas, do Peito e do Borboleta – sua prática pedagógica também será pautada também nesse conceito.

Percebam que o primeiro conceito que eu apresentei é mais abrangente. Ele não limita a possibilidade dos movimentos que podem ser realizados e nem as condições. Ele engloba, inclusive, o movimento dos nados formais já apresentados.

Entretanto, o segundo conceito (mais tradicional e ainda presente em nossa sociedade) refere-se exclusivamente ao movimento dos nados formais. Tudo o que for ensinado tem por objetivo essa meta.

Aqui, então, já temos um possível primeiro conflito. O aluno e seus pais também podem ter um outro entendimento do que é saber nadar.

Possivelmente esse entendimento é ainda mais limitado, já que ele é baseado naquilo que ele aprende no seu dia a dia.

Eu me arrisco a dizer que nesse caso, o saber nadar se limita aquilo que ele assiste na televisão. Nesse caso, para a maior parte das crianças e de seus pais, o saber nadar se limita a nadar o Crawl, o Costas, o Peito e o Borboleta.

Guilherme, então esse entendimento é igual ao do exemplo do professor que você passou anteriormente. E minha resposta é não.

Para o professor anterior, o saber nadar era alguma coisa próxima do movimento dos nados formais. Mas nesse último caso, o saber nadar se refere ao padrão dos nados competitivos. Ao padrão olímpico

Perceberam o conflito?

Por isso que alguns pais veem seus filhos na aula de AMA e questionam o professor porque o seu filho está brincando. Ele ainda fala que matriculou o filho na natação para ele poder aprender a nadar.

Nesse caso, compreenda o saber nadar para ele como “repetir os movimentos que ele viu algum nadador olímpico fazer na televisão”. Ele nem sabe o que isso significa, mas é isso que ele acredita.

Enquanto os professores (entre eles mesmos e aqui amplio aos gestores), os alunos, e os pais não tiverem o mesmo entendimento do que é nadar, alguém estará insatisfeito nesse processo. Ou todo mundo.

E não preciso nem dizer que o responsável em igualar esse entendimento é o professor. Entretanto, o problema é que a maior parte dos professores entendem o nadar dentro do segundo conceito que eu apresentei.

E ele é mais próximo do conceito dos pais do que o primeiro que eu apresentei – que é aquele eu acredito. Dessa maneira, é muito mais fácil esse professor se reclinar para o entendimento dos pais do que aquele que eu apresentei primeiro.

Minha defesa para o conceito de nadar

Eu tentarei defender o conceito que eu utilizo para o “saber nadar” e vou relembrá-lo para que fique bem claro.

Nadar é a “capacidade de se deslocar (submerso ou na superfície) ou de se manter na superfície da água de forma intencional. Para isso, você pode utilizar o movimento dos braços e das pernas – em conjunto ou isoladamente. Você também pode usar o corpo todo, ou parte dele”.

Eu gosto desse conceito porque ele dá importância a tudo o que pode ser ensinado no ambiente aquático: AMA, prevenção de afogamentos, experiência motoras, cognitivas e emocionais, nados formais, nados livres, nado artístico, polo aquático, saltos ornamentais, surf, bodyboard e por aí vai…

Eu defendo que tudo deva ser ensinado. E ensinado de verdade. Não é aquele papo de ensinar o Crawl mas não ensinar a saída e a virada porque o aluno não participa de competições. Ensinar o Crawl é ensinar tudo.

Eu devo capacitar o meu aluno para que ele possa fazer o que ele quiser na água. Se ele quiser ser um atleta, que ele seja, pois terá condições para isso. Mas se ele não quiser, também.

Se ele quiser fazer polo aquático, que assim o seja – com finalidades competitivas ou não. Pode ser que seja um adulto que nada três vezes na semana como forma de condicionamento físico. Mas aos finais de semana joga polo aquático recreacional com seus amigo e “pega” onda. E tudo bem.

Ele está na água e só pode fazer isso tudo porque alguém ensinou.

E se algum dia passar por alguma situação de risco de afogamento, saberá o que fazer e como fazer, pois aprendeu isso na aula de natação (ou qualquer outro nome que queiram dar).

E nesse momento, eu espero que ele se lembre de mim e diga: ainda bem que alguém me ensinou realmente a nadar.

Sugestão de leitura

FERNANDES, J. R. P.; LOBO DA COSTA, P. H. Pedagogia da natação: um mergulho para além dos quatro estilos. Revista Brasileira de Educação Física e Esporte, São Paulo, v. 20, n. 1, p. 5-14,  2006.

FREUDENHEIM, A. M.; GAMA, R. I. R. B.; CARRACEDO, V. A. Fundamentos para a elaboração de programas de ensino do nadar para crianças. Revista Mackenzie de Educação Física e Esporte, v. 2, n. 2, p. 61-69,  2003.

KJENDLIE, P.-L.; PEDERSEN, T.; THORESEN, T.; SETLO, T.; MORAN, K.; STALLMAN, R. K. Can you swim in waves? Children’s swimming, floating, and entry skills in calm and simulated unsteady water conditions. International Journal of Aquatic Research and Education, v. 7, n. 4, p. 301-313,  2013.

MORAN, K.; STALLMAN, R. K.; KJENDLIE, P.-L.; DAHL, D.; BLITVICH, J. D.; PETRASS, L. A.; MCELROY, G. K.; GOYA, T.; TERAMOTO, K.; MATSUI, A. Can you swim? An exploration of measuring real and perceived water competency. International Journal of Aquatic Research and Education, v. 6, n. 2, p. 122-135,  2012.

QUAN, L.; RAMOS, W.; HARVEY, C.; KUBLICK, L.; LANGENDORFER, S.; LEES, T. A.; FIELDING, R. R.; DALKE, S.; BARRY, C.; SHOOK, S. Toward defining water competency: an American red cross definition. International Journal of Aquatic Research and Education, v. 9, n. 1, p. 12-23,  2015.

STALLMAN, R. K.; JUNGE, M.; BLIXT, T. The teaching of swimming based on a model derived from the causes of drowning. International Journal of Aquatic Research and Education, v. 2, n. 4, p. 372-382,  2008.

11 comentários

  1. Alexandre Lopes de Souza

    Excelente, mestre.

    Na disciplina de fundamentos natação, você deixou boa parte deste texto nas suas falas. Eu fiquei pensando nos pais leigos (imaginei os meus na época) vendo o seu filho brincando na piscina “ao invés de nadar”. Quando isso foi falado, fiquei pensando na importância de explicar as coisas, não só para os alunos, mas principalmente para os pais, que obviamente não tem a obrigação de saber do que se trata, e as vezes tiram o filho da prática por não ter conhecimento de que aquele processo é importante.

  2. Iordan Emanuel Ferreira Miranda
    Iordan Emanuel Ferreira Miranda

    Achei ótima a sua definição do “saber nadar” e gostaria muito que esse também fosse o entendimento dos pais que colocam os filhos na natação. De fato é muito comum que, após 3 meses, já esperem que os seus filhos apresentem execução dos nados formais a nível olímpico. Poucos são aqueles que compreendem de fato que o mais importante é que os seus filhos desenvolvam, ao longo de um período considerável, habilidades e competências no meio aquático que podem – mas não necessariamente-, levá-los ao esporte de alto rendimento.

  3. Matheus Hiago Dias Barros
    Matheus Hiago Dias Barros

    realmente, não deve ser tarefa fácil convencer os pais de que naquilo que parece ser apenas uma brincadeira, na verdade, tem toda uma fundamentação, uma base pedagógica. E que eles não estão jogando o seu dinheiro fora.

  4. Depois que passei pela disciplina Fundamentos da Natação mudei completamente meu modo de ver as aulas de natação. E concordo plenamente com a primeira definição defendida pelo senhor.

  5. Lucasdd

    O conceito de “nadar” que você apontou ali é ótimo, professor. O que mais pude observar durante meu estágio na área de natação foram os pais com o mesmo comentário que você destacou ali “Eu pago pro meu filho aprender a nadar, não para ficar brincando na piscina!”.
    Mas como foi dito ali, o aprender a nadar não consiste apenas nos nados formais, uma criança que se desloca na superfície da água executando o nado, popularmente conhecido como, “cachorrinho” estará nadando.

  6. Já ouvi muitos pais com esse paradigma da associação do ” saber nadar” a executar os nados da modalidade olímpica. Mas também já ouvi muitos pais procurando a natação para que seus filhos não se afogassem em um chamado ” banco” em uma praia, ou até mesmo em um acidente náutico. Logo, o conceito utilizado pelo Sr. atenderia essa necessidade perfeitamente, pois uma pessoa que soubesse nadar, poderia se salvar usando um nado ” cachorrinho ” por exemplo, ou até mesmo flutuando, até que se chegasse o socorro. Eu mesmo caí em um banco de areia uma vez na praia e saí dele nadando do jeito que sabia; sem a técnica dos nados olímpicos.

  7. Muito interessante o seu texto, Guilherme, e muito relevante para as argumentações com os pais dos alunos nas escolas. O tom coloquial que adotou o torna aprazível inclusive para o público em geral.
    No entanto, o conceito do nadar que embasa nossas ações pedagógicas implica diretamente no objetivo delas: se nosso objetivo é ensinar a nadar, quando é que podemos confirmar que o aluno aprendeu? Quais são as competências que no seu conjunto caracterizam uma pessoa que sabe nadar?
    Como você afirmou, e concordo plenamente, saber nadar não se resume ao domínio da mecânica dos nados competitivos, mas é mais ampla; é a habilidade em mover-se eficientemente na água, nas mais diversas situações (ver a esse respeito, por exemplo, QUAN et al., 2015; VARVERI et al., 2016).
    E convenhamos, essa habilidade pode ser adquirida sem ensino formal, apesar de que ações pedagógicas adequadas podem facilitar a aquisição. Configurar ações pedagógicas adequadas por sua vez requer a discussão mais aprofundada dos objetivos para os cursos que se propõem a ensinar a nadar, e de metodologias adequadas, que vão além da modelagem de técnicas competitivas que caracterizam a grande maioria dos cursos. Essa discussão, tenho sentido falta no meio acadêmico, que acompanho há décadas.
    Espero que posts como o seu contribuam para essa discussão, mas que a discussão não pare por aqui. Fico à disposição!

    (QUAN, Linda, et al. Toward defining water competency: an American Red Cross definition. International Journal of Aquatic Research and Education, 2015, 9. Jg., Nr. 1, S. 3.
    VARVERI, Danae et al. Aquaticity: a discussion of the term and of how it applies to humans. Journal of bodywork and movement therapies, v. 20, n. 2, p. 219-223, 2016.)

    • Guilherme Tucher

      Obrigado, Bettina. Agradeço pelas considerações e pela visita.

      Realmente precisamos de uma ampla discussão sobre o ensino da natação.

      As referências que indicou são muito pertinentes. Não conhecia todas.

Deixe um comentário

Your email address will not be published. Required fields are marked *

*