O posicionamento do professor na piscina
- Postado por Guilherme Tucher
- Categorias Notícias, TOP - Natação
- Data 17 de janeiro de 2024
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e a condução das aulas de natação
INTRODUÇÃO
Quando eu comecei a trabalhar com o ensino da natação eu ainda estava na graduação. Talvez por isso e pela inexperiência na função, tentei usar ao máximo dos conhecimentos que tinha a minha disposição: as aulas e as minhas leituras de livro.
A minha preocupação era a de como ser um bom professor; e ser um bom professor era sinônimo de saber sobre como ensinar. Saber ensinar, para mim, era tão importante quanto saber o que ensinar – entendimento que tenho até os dias de hoje.
Entre as leituras que fiz, duas que me são bem claras na memória são a do livro A Ciência do Ensino da Natação (Palmer; 1990) e, posteriormente, já logo depois de formado, O Poder de Delegar (Donna M Genett; 2004) – sendo que esse último livro não é sobre natação e muito menos sobre educação física. Por conta própria fiz um conjunto de associações sobre as informações do livro com as necessidades que tinha na época.
O que percebo é que, no geral, os professores sabem a técnica dos nados. Entendem que deve ser feita uma adaptação ao meio aquático. Na pior das hipóteses fazem assim porque assim foi ensinado na graduação. Entretanto, sabem um pouco menos sobre o que exatamente devem ensinar. E pior, menos ainda sobre como ensinar.
Dentro do campo “como ensinar” discutirei nesse texto mais exatamente sobre a utilização do espaço da piscina e importância do posicionamento do professor durante as aulas. Esses dois pontos terão grande influência (i) no controle da turma, (ii) na sua capacidade de ser visto e (iii) ouvido pelos alunos e de, também, (iv) de ver os alunos (antes da atividade e durante a atividade).
Nesse sentido, vamos pensar em três níveis básicos de turma de aprendizagem: (i) adaptação ao meio aquático, (ii) aprendizagem dos nados e (iii) aperfeiçoamento dos nados. As discussões serão realizadas nessa ordem.
DESENVOLVIMENTO
As Turmas de Adaptação ao Meio Aquático (AMA)
Quando falamos de turmas de adaptação ao meio aquático (AMA) eu destaco as três possíveis situações apresentadas na Figura 1. Na imagem podemos ver uma representação com piscina rasa (alunos conseguem colocar os pés no chão) e duas com piscina funda (alunos não conseguem colocar os pés no chão).
Primeiro destaco que em todas elas o professor está dentro da piscina. Me desculpem, mas não vejo como trabalharmos com turmas de AMA, independentemente da idade dos alunos (dos 2 aos 80 anos), sem o professor estar dentro da piscina.
Estar dentro da piscina garante:
- maior segurança ao aluno (se acontecer alguma coisa é mais fácil e rápido de você agir),
- melhor controle da turma (sempre tem um aluno afundando enquanto você está tentando explicar a atividade. Se você estiver na água fica mais fácil de levá-lo novamente para a superfície e fazê-lo prestar atenção) e
- proximidade/afetividade por parte do professor (as crianças adoram quando o professor está na água).
Eu entendo que às vezes é complicado para o professor, pois a água é fria, são muitas aulas, a próxima turma é de jovens (e ele não precisaria estar na água) ou depois ele precisa ir para a sala de musculação ou outro emprego.
Mas repito, para esse nível de aprendizagem, precisamos estar na piscina. Não tem jeito.
Até mesmo nas turmas de graduação, quando trabalho o ensino da AMA, eu fico na água. Na EEFD-UFRJ, por exemplo, temos uma disciplina chamada de Prática da Natação. O seu objetivo é realmente oportunizar o ensino da natação, sendo uma disciplina 100% prática. Alunos de outros cursos, inclusive, podem cursá-la.
Nos momentos que eu trabalhei com essa disciplina, fiquei com os alunos que precisavam fazer a AMA; e lá estava eu na água. Se fosse uma turma de aprendizagem dos nados, possivelmente isso não seria necessário.
Digo possivelmente, porque dependendo de quantas aulas estão acontecendo ao mesmo tempo e de como a piscina é dividida, isso pode ser determinante para a melhor aprendizagem dos alunos.
Cito um exemplo. Uma vez, também na EEFD-UFRJ, tínhamos na piscina de 25 m: uma aula de hidroginástica (com música e alunos empolgados do lado de fora da piscina), duas aulas de natação para a graduação, e uma aula de natação para crianças em um projeto.
Se eu não ficasse dentro da água, considerando o barulho da música e a quantidade de distrações no ambiente (os outros colegas, barulho e a própria condição de estar na água) eu não teria conseguido dar aula.
Além dos benefícios citados anteriormente, estar na água não trará prejuízos na correção ou demonstração de movimentos porque nessa etapa os movimentos são “mais livre”. Estamos falando da descoberta e da percepção do corpo na água e não da exigência de um padrão único de realização do movimento.
Além disso, fica mais fácil do professor passar a informação oral e de ser escutado pelos alunos. Essa proximidade também permite que o professor olhe para os alunos, ajude-os diretamente e perceba se eles estão realmente entendendo o que deve ser feito.
Por outro lado, o posicionamento dos alunos pode variar em função da profundidade da piscina e da utilização de boias. Eu tenho dois vídeos que discutem essa realidade (profundidade da piscina, utilização de boia e aprendizagem) no meu canal do YouTube.
Se a piscina for rasa (Figura 1, esquema A) os alunos devem estar na água. O mesmo vai acontecer se a piscina for funda (para os alunos), mas eles estiverem usando boias de braço (Figura 1, esquema C). O simples contato com a água já está oportunizando alguma aprendizagem.
Entretanto, se a piscina for funda (para os alunos) e eles não estiverem usando boias de braço (Figura 1, esquema B) é mais seguro e oportuno que os alunos fiquem sentados na borda. Essa não é uma condição muito boa de aprendizagem, pois o tempo de aula não é muito bem aproveitando.
Mas preciso dizer que é a mais segura. Já tive que dar aula assim.
Nessa condição o professor deve fazer a atividade com um ou dois alunos ao mesmo tempo, enquanto os outros esperam, até que eles sejam direcionados a borda novamente.
Dependendo da idade e autonomia dos alunos também seria possível que eles estivessem dentro da piscina, mas segurando na borda. Entretanto, isso pode ser um risco – por isso, depende de quem são realmente os seus alunos.
Por fim, como estamos falando de turmas iniciais de ensino da AMA, não é necessário que se utilize uma piscina de 25 m. Longe disso! A não ser que estivéssemos fazendo outra discussão de ensino da AMA.
Por isso, o espaço da piscina pode ser dividido em outros menores, com a utilização das raias, por exemplo. É até mesmo interessante porque facilita o controle da aula e a manutenção da segurança dos alunos.
As Turmas de Aprendizagem dos Nados Formais
Falemos agora das turmas que já passaram pela AMA, ou que estão fazendo uma AMA mais complexa, como tenho defendido, mas que também estão iniciando a aprendizagem dos nados formais. Os esquemas estão na Figura 2.
Percebam que em todos os esquemas é utilizado o menor percurso da piscina para a realização da aula e que o professor pode/deve estar preparado para estar dentro ou fora da água. Vamos discutir o primeiro ponto.
Como estamos falando de aprendizagem dos nados, significa que os alunos não têm técnica e condicionamento físico adequados para realizar movimentos/educativos em grandes percursos.
Se for obrigatório que o aluno faça um educativo de aprendizagem por 25 m, por exemplo, muito possivelmente o fará bem nos 10 primeiros metros e depois repetirá o erro (por causa do cansaço) nos outros 15 metros.
Ou seja, repetiu mais o erro do que o acerto.
Lembre-se que estamos falando de aprendizagem e o maior inimigo da aprendizagem é o cansaço (que também leva a falta de atenção e dificuldade de entendimento). Eu sei que a aprendizagem é dependente da repetição. Mas você pode fazer 100 metros sem parar ou fazer 10 x 10 metros com intervalo para descanso e orientação.
Se for possível para a sua realidade, organize os dias das aulas de uma maneira que as atividades novas sejam realizadas na menor distância (como na lateral da piscina) e aquelas com maior domínio ficam concentradas para o dia que se utiliza maior distância.
Nos esquemas A, B e C da Figura 2 eu dou destaque a três diferentes posicionamentos que o professor pode vir a assumir durante a aula. No posicionamento 1 (Figura 2, esquema A) o professor está dentro dá água.
Dependendo da quantidade de alunos o professor deve se posicionar mais próximo ou distante deles. A grande questão é a seguinte: quem está no centro do campo de visão do professor tende a se beneficiar, pois a mensagem visual/auditiva geralmente é mais bem percebida.
Sendo assim, os alunos que estão nas extremidades podem não entender muito bem o que deve ser feito em uma atividade ou mesmo porque deve ser feito dessa maneira (lembra do procedimental e do conceitual?).
Além disso, são mais sujeitos a distrações (alunos conversam entre si ou prestam atenção em outras coisas fora da piscina).
Por isso a minha sugestão é que o professor explique a atividade mais de uma vez, talvez utilizando pontos diferentes de reforço da informação (visual ou oral) focando nos diferentes grupos (laterais e centro).
Ao final, sempre pergunte se os alunos entenderam o que deve ser feito, principalmente aquele aluno que está mais distante de você.
Em seguida os alunos realizarão a atividade e, sinceramente, esse posicionamento dentro da piscina não é o melhor para visualizar os alunos nadando. Agora, diferentemente da AMA, já temos certos padrões de movimento que devem ser alcançados.
De qualquer maneira, se para a sua realidade o melhor é estar dentro da água, quando os alunos estiverem realizando as atividades, ande pela piscina para que você veja o movimento realizado e proponha as correções.
Vamos agora para o posicionamento 2 (Figura 2, esquema B), onde o professor está fora da piscina e lateralmente aos alunos. Primeiro é importante destacar que esse posicionamento não impede os posicionamentos indicados como 1 e 3 (que estão nas outras imagens).
As imagens só estão separadas por questões didáticas. Para esse nível de aprendizagem o ideal é que o professor esteja preparado para assumir qualquer posicionamento visando a melhor explicação e demonstração da atividade.
No posicionamento 2 (Figura 2, esquema B) é possível perceber que os alunos que estão mais próximos do professor terão maior benefício, pois conseguem ouvi-lo e vê-lo melhor. É lógico que o tamanho da piscina e a quantidade de alunos deve ser levado em consideração nesse caso.
Mas no nosso exemplo a piscina é de 25 m e os alunos estão um do lado do outro – ocupando toda a borda da piscina. Isso não é difícil de acontecer com uma turma de 20-25 alunos.
Como nesse caso os alunos que estão mais distantes do professor podem ser prejudicados (maior dificuldade de ver e ouvir o professor), e caso haja a impossibilidade de assumir os posicionamentos 1 e 3, seria interessante que o professor perguntasse se todos os alunos entenderam a atividade antes dela ser realizada – como sugerido anteriormente.
Mesmo assim, pode ser que a primeira repetição da atividade sirva apenas para se certificar se todos entenderam a proposta do que deve ser feito. Além disso, outra sugestão é que o professor reveze a borda (indicada como 2) na qual ele está localizado.
Assim, o professor explicaria algumas atividades (durante a aula) de um lado e outras do outro lado (as duas indicadas como posicionamento 2).
Caso o professor só possa assumir uma das bordas laterais, como indicado no esquema D (ainda na Figura 2), e dependendo da quantidade de alunos na turma, uma outra estratégia pode ser mudar o posicionamento dos alunos durante a aula.
Se o professor e os alunos sempre ficam no mesmo lugar (o que é muito comum), alguém pode estar sendo prejudicado. Direcione, às vezes, os alunos que ficam nas extremidades para o centro do grupo – caso você esteja de frente para os alunos.
Se você assume um posicionamento mais lateral (e não pode fazer isso dos dois lados da piscina), faça um rodízio de forma a permitir que os alunos que estão mais distantes também tenham a oportunidade de ficar mais próximos de você.
Essa estratégia, na verdade, serve para qualquer tipo de posicionamento adotado pelo professor. Ao longo das aulas os alunos tendem a ficar sempre no mesmo lugar. Se esse for um fator importante para a aprendizagem, mudar o lugar que os alunos estão pode ser interessante.
No posicionamento 3 (Figura 2, esquema C) o professor está de frente para os alunos, o que pode facilitar a percepção visual e a demonstração da atividade. Entretanto, dependendo da altura da voz do professor e do tamanho da piscina (e do barulho ambiente), pode ser que os alunos não consigam ouvi-lo com qualidade.
Todos os posicionamentos que o professor pode assumir estão associados a características positivas e negativas. Seria impossível tentar prever tudo o que pode acontecer durante uma aula e discutir cada um desses pormenores.
Assim, o que o professor deve fazer é pensar naquilo que ele precisa explicar naquele momento, nas características da piscina e da turma, para decidir qual é o melhor posicionamento que deve assumir. Ou seja, esse posicionamento pode variar muito ao longo de uma mesma aula.
Além disso, o professor não deve buscar um bom posicionamento somente para explicar a atividade, mas para ver a sua realização. Assim, pode ser que o melhor posicionamento para explicação seja um, mas para visualização da atividade seja outro.
As Turmas de Aperfeiçoamento dos Nados Formais
Chegamos finalmente à turma de aperfeiçoamento dos nados formais. Aqui, geralmente, apesar de o aluno já estar fazendo o aperfeiçoamento dos nados Crawl e Costas, pode ser que ainda esteja aprendendo o Peito e o Borboleta. Na melhor das hipóteses o domínio técnico dos nados Peito e Borboleta estará um nível atrás daquele dos nados Crawl e Costas.
Por isso é importante que o professor utilize do espaço da piscina de forma racional, levando em consideração aquilo que deve ser ensinado para os alunos. Assim, para alguns nados ou exercícios de aprendizagem, usar uma maior distância de repetição pode ser interessante – mas para outros não.
Muito possivelmente os exercícios dos nados Peito e Borboleta, e até mesmo alguns do Crawl e do Costas, devam ser realizados em distâncias menores. Lembre-se que queremos repetir o acerto, não o erro.
Reconhecendo essa realidade, então, fiz os dois esquemas que estão na Figura 3.
No esquema A (Figura 3) os alunos nadam na maior distância da piscina. Aqui no caso são os 25 m, mas poderia ser qualquer distância. Eu já trabalhei em uma piscina que tinha 33 m de comprimento e 17 m de largura.
Relembro que o mais importante é perceber se a distância de nado/repetição está adequada para o que se pretende ensinar e para quem se pretende ensinar. Se a distância for considerada grande, pode-se adotar a estratégia da Figura 2, onde os alunos nadam na lateral da piscina, ou a estratégia da Figura 3B.
Nos dois casos o importante é perceber que a distância que a piscina “sugere” não precisa ser obrigatoriamente aquela que o aluno deve nadar. No esquema B da Figura 3, por exemplo, os alunos realizam a atividade até o meio da piscina, para que possam descansar e receber as orientações do professor. Depois eles podem continuar ao percurso ou retornar ao ponto de partida.
Independentemente da proposta assumida (na Figura 3), perceba que o professor está constantemente se movimentando ao redor da piscina para que possa buscar um melhor posicionamento de explicação da atividade (ser visto e ouvido; ver e ouvir os alunos) e de visualização daquilo que está sendo realizado pelos alunos.
Esse conjunto (o que deve ser feito e o que realmente foi feito) permitirá que o professor, na próxima repetição, passe novas orientações aos alunos e até mesmo adapte o exercício proposto – se for necessário. O objetivo é aproximar aquilo que foi feito daquilo que deveria ser feito.
CONCLUSÃO
Nessa discussão eu apresentei para você algumas preocupações que o professor deve ter na condução da sua aula de natação; focando mais especificamente na utilização do espaço da piscina e na importância do posicionamento do professor durante as aulas.
As propostas apresentadas não devem ser encaradas de maneira rígida e acrítica. São apenas sugestões gerais para que você se atente a importância desses dois pontos, pois infelizmente, eles não são discutidos nos livros que tratam do ensino da natação.
A partir desse entendimento, avalie as suas condições de ensino para que você saiba o que fazer em cada situação e amplie as possibilidades de ensino da natação.
Tag:Aprendizagem, natação, Técnica
É docente no curso de graduação e no programa e pós-graduação em educação física da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na EEFD ainda é coordenador do Grupo de Pesquisa em Ciências dos Esportes Aquáticos (GPCEA).
Doutor em Ciências do Desporto (2015), Mestre em Ciência da Motricidade Humana (2008), Especialista em Esporte de Alto Rendimento (2014), em Natação e Atividades Aquáticas (2004) e em Treinamento Desportivo (2005), e Graduado em Educação Física (2003).
Docente no ensino superior desde 2005, atuou ainda como professor de natação trabalhando com diferentes níveis de aprendizagem e aperfeiçoamento, bem como treinador de natação competitiva participando de campeonatos estaduais (RJ) e nacionais.