História da prática e do ensino da natação

EVOLUÇÃO HISTÓRICA DA PRÁTICA E DO ENSINO DA NATAÇÃO

INTRODUÇÃO

Esse pequeno texto é sobre aspectos históricos relacionados a intenção do homem em ensinar natação. O ensino da natação, do jeito que conhecemos atualmente, não foi sempre assim. A sua prática em piscinas, como as conhecemos, também é relativamente recente.

O interessante é perceber que essa intencionalidade em ensinar os outros a nadar apresentou uma evolução história até chegar, mais ou menos, nos moldes que conhecemos hoje.

Se você trabalha com o ensino da natação, não pode perder esse texto. Vamos lá!

A PRÁTICA DA NATAÇÃO

Tudo indica que as origens da natação se confundem com as origens da humanidade. Raramente por temeridade, mas frequentemente por necessidade, às vezes por prazer, o homem entrou em contato com o elemento líquido, hostil ou em função das circunstâncias que lhe eram impostas (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Existe desenho descoberto numa caverna das grutas do deserto da Líbia que é considerado a mais antiga ilustração atualmente conhecida da arte de nadar. Os arqueólogos suspeitam que ela remonta a 9000 anos antes da nossa era.

A imagem dá a entender que essa natação tem caráter utilitário. Cerca de 3000 mil anos antes de nossa era também foi encontrado o hieróglifo (sinais da escrita de antigas civilizações, tais como os egípcios, os hititas, e os maias) “nadar”, com movimentação semelhante à do nado Crawl (CATTEAU e GAROFF, 1990).

A pesca, que deveria melhorar a subsistência, com o uso de frágeis embarcações, criaram oportunidade de contato com a água menos ou mais voluntárias. Talvez tenha havido entre os primeiros homens alguns que, perseguidos pelo fogo ou por algum animal selvagem, salvaram-se graças a proteção das águas (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Ao longo das sucessivas civilizações e com a sua evolução, a necessidade (intencional ou não) de estar no ambienta aquático deve ter trazido a obrigação do ensino da natação. Nesse contexto, e desde sempre até os nossos dias, foi aos militares que o problema do ensino da natação se colocou de forma crucial (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Para quem não sabe nadar, qualquer que seja seu armamento, um rio ou uma extensão de água constitui um grande obstáculo e até maior do que as linhas inimigas. A presença de nadadores nos exércitos sempre aumentou consideravelmente o poder ofensivo (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Não é de estranhar que a decisão de ensinar sistematicamente natação aos soldados tenha repercutido na orientação da pedagogia da natação. Diversos documentos, pinturas e artefatos antigos indicam as façanhas dos nadadores e a importância desta arte na vida dos homens e um conhecimento completo da técnica (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Entretanto, estes documentos não tratam do como ensinar a nadar. Somente a partir de publicações de tratados sobre a arte de nadar da segunda metade do século XVIII que se pode conhecer detalhadamente como era abordada a aprendizagem da natação. Nestes documentos descobre-se tanto a existência de um inegável interesse pela natação quando o de grandes preconceitos (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Dentro dessa evolução do processo de aprendizagem da natação, deve-se destacar que este problema não se apresentava da mesma maneira nos diversos lugares. Condições climática favoráveis (permanentes ou descontínuas) não provocaram uma única e mesma interpretação, mas sim correntes pedagógicas opostas (CATTEAU e GAROFF, 1990).

A referência que utilizo para a escrita desse texto (CATTEAU e GAROFF, 1990), por exemplo, é uma tradução de uma obra francesa, e possivelmente retrata mais a sua realidade e do continente europeu.

De qualquer maneira, os autores argumentam que a partir do estudo comparativo, histórico e geográfico sobre diversos países pode-se reunir algumas correntes de ensino-aprendizagem da natação em três concepções: Global, Analítica e Moderna, apresentadas abaixo (CATTEAU e GAROFF, 1990).

Leia as principais características dessas Concepções abaixo. Entretanto, antes disso, é importante que não se confunda as Concepções de Ensino da Natação com os Métodos de Ensino (ou Aprendizagem).

As Concepções de Ensino da Natação são agrupamentos ou percepções históricas da intencionalidade do ensino da natação identificadas pelos autores (CATTEAU e GAROFF, 1990). Elas não determinam maneiras de ensinar, mas descrevem como historicamente a tentativa de ensino-aprendizagem aconteceu.

CONCEPÇÃO GLOBAL

  • É a mais antiga.
  • Durante séculos a aquisição de habilidades aquáticas pelos indivíduos foi feita de forma global, geral e não intencional – sem preocupação de método ou de organização da aprendizagem.
  • A proximidade da água (rio, lago ou praia) foi uma condição indispensável ao desenvolvimento da natação quando o local não era nem hostil nem perigoso. Ou seja, não se “aprendia” a nadar em uma piscina. Se “aprendia” pela experimentação livre do ambiente aquático.
  • O nível de natação (que não estamos nos referindo aos nados formais, é claro) adquirido transmitiu-se e melhorou ao longo das civilizações quando a permanência da prática da atividade na água pode ser mantida com frequência suficiente (condições climáticas e do próprio local – como correntezas e pedras).
  • A boa adaptação ao meio aquático é o resultado de um número considerável de dias passados na água, pois não há adaptação instantânea.
  • Pode ser considerada como não pedagógica, pois se caracterizava por situações de aprendizagem onde a intervenção do professor (alguém mais velho ou experiente que tentava ensinar) está ausente ou é muito discreta.
  • Os comportamentos do aluno não se transformam de maneira ordenada, previsível ou desejada pelo “professor”. Como não há planejamento e intencionalidade no ensino, as aprendizagens eram fruto das experiencias vivenciadas – que variava de individuo para indivíduo; de um grupo para outro.
  • Trata-se de uma Concepção “primitiva” ou pré-científica do homem, bem como da natação, com origens longínquas. Ou seja, como os “primeiros” homens “aprenderam” a nadar.
  • Se acredita na aprendizagem espontânea do movimento. Assim, a necessidade imposta pelo ambiente desenvolverá as habilidades necessárias para a permanência do indivíduo na água.
  • Mesmo que a técnica de nado apresentada pelos nadadores da antiguidade seja surpreendente e parecida com alguma coisa do que se faz hoje no nado Crawl, naturalmente eles não nadariam o nado de Costas, o Peito ou o Borboleta (os nados competitivos atuais). Entenda que os nados formais foram socialmente desenvolvidos ao longo dos anos seguintes.
  • Essa concepção se explica pelo instinto, pelo inato e pelo espontâneo. Mas não se pode imaginar que transformações/aprendizagens ocorram sem procedimentos.
  • É essencialmente empírica, prende-se apenas aos fatos.
  • Para o homem primitivo, assim como para qualquer principiante, aprender a nadar representa uma sucessão de problemas que se apresentam em uma ordem definida e imutável.
    • Assim, para saber nadar, deveria dominar situações de equilíbrio (saber retornar a posição bípede, não colocar o rosto na água e assumir um posicionamento ventral – usado pela possível facilidade de retornar a vertical e pela própria facilidade de movimento), respiração (ao assumir uma posição ventral, cada vez mais na horizontal, há uma tendência de afundar o rosto – surgindo o problema da respiração) e propulsão (somente quando os problemas de equilíbrio e respiração forem superados é que o homem primitivo percebeu que poderia se deslocar, percorrendo distâncias cada vez maiores.
    • Assim, aos poucos, começa a perceber que a rotação da cabeça é mais rentável do que sua elevação para respirar). Essa é uma sequência mais ou menos natural que os indivíduos passavam para aprender a nadar.
  • Para essa Concepção, saber nadar resume-se a arranjar-se sozinho ou superar as dificuldades que encontrar na água. Assim, entende-se que é um entendimento muito pequeno do saber nadar.
  • Culmina numa única modalidade de nado alternado, “parecida” com o que hoje chamamos de Crawl. A palavra “parecida” é importante porque o nível técnico dos nadadores atuais não foi alcançado em poucos minutos de contato livre e não sistemáticos com a água.

Agora que já vimos as principais características da Concepção Global, vamos conhecer a Concepção Analítica.

CONCEPÇÃO ANALÍTICA

  • Oposta a concepção global.
  • Em alguns países, como a França, já foi, inclusive, proposta de ensino oficial do exército e das escolas.
  • Considerava o nadar como uma reprodução de movimentos.
  • Desde o seu início foi considerada como um empreendimento pedagógico; o que é positivo e não acontecia na Concepção Global.
  • Havia o entendimento de que o homem precisava dominar a capacidade de nadar, pois ele não nada espontaneamente, sendo a aprendizagem inevitável.
  • Em sua evolução, representa uma tendência de racionalização da aprendizagem.
  • O nadar é reduzido apenas aos movimentos. Apesar de entenderem que os movimentos “dos nados” devem ser ensinados, acreditava-se que a simples reprodução descontextualizada do movimento, por si só, seria o suficiente para levar a aprendizagem.
  • Chega-se a considerar o movimento em si sem levar em consideração o meio e o indivíduo. Ou seja, se ensinava a nadar (a repetição dos movimentos) fora da água e não se considera as particularidades do aprendiz.
  • Se valoriza tanto o movimento que a natação era praticada fora da água, pois a água “atrapalhava” a aprendizagem inicial dos movimentos. Muitos dos movimentos eram ensinados com o corpo na vertical (em pé).
  • Os movimentos do nado são caracterizados por posições.
  • Criam-se educativos formais, apresentados em ordem de dificuldade. Isso pode ser considerado um ponto positivo, que até certo ponto acontece atualmente.
  • A realização do movimento adequado será fruto de diversas repetições que culminam em mecanização e estereótipo. Ou seja, todos repetem o mesmo movimento e devem alcançar os mesmos padrões.
  • Como em uma instrução militar típica, todos devem fazer a mesma coisa no mesmo instante – não considerando as particularidades dos aprendizes.
  • O ensino coletivo torna a aprendizagem mais “eficiente” – pode-se ensinar muitos ao mesmo tempo. Isso era possível porque durante algum tempo se ensinava fora da água e apenas se repetiam movimentos.
  • Não é considerado estranho ensinar fora da água um gesto que só faz sentido de ser realizado dentro da água. Essa era uma proposta que fazia sentido na época.
  • A natação a seco generaliza-se, sendo praticada nos pátios de quarteis, em ginásios e pátios escolares.
  • Pelas características da aprendizagem, surgem diversos problemas no momento que se tenta a aplicação da aprendizagem no ambiente aquático real. Inicialmente culpa-se a aprendizagem na vertical. Mas mesmo a repetição de movimentos deitados em tamboretes não resolve o problema da aprendizagem.
  • Por volta de 1850 foi possível se exercitar na água. Substituiu-se os acessórios de apoio (como banco) pelos de suspensão (cintos presos ao teto).
  • Em 1852, inspirado nas concepções e procedimentos militares, foi inventado um carrossel coletivo para aprendizagem fora da água.
  • Mesmo dentro da água, são usados aparelhos de suspensão que podem ser ajustados para que o aprendiz fique mais imerso. Entretanto, ele continua nadando no mesmo lugar e os movimentos continuam sendo muito decompostos.
  • A repetição e mecanização são considerados tão importantes que é introduzido com disco com os comandos 1, 2, 3 e 4 – o que faz com que se substitua o professor. Para cada comando havia um movimento associado que deveria ser realizado.
  • O movimento completo é decomposto arbitrariamente em 3, 4, 5 ou 6 partes e passa a ser automatizado. O que interessa é a sua repetição e mecanização.
  • O gesto foi tão decomposto que acabou perdendo seu significado. O aluno não entendia o contexto da realização do movimento.
  • O aluno é passivo no processo de aprendizagem e não entende a complexidade do movimento.
  • Em um determinado momento percebe-se que o disco e a máquina eram incapazes de resolver os problemas de ensino – condenando esta concepção.
  • Era praticado um nado semelhante ao nado de Peito, muito influenciado pelos deslocamentos militares realizados dentro da água.

Veja algumas fotos e vídeo que representam um pouco do processo de aprendizagem da época, por meio da Concepção Analítica (meio/final do século XIX até metade do século XX).

CONCEPÇÃO MODERNA SINTÉTICA

  • Representa a Concepção mais recente e racional.
  • Considera os pontos fortes das duas Concepções anteriores, mas é muito mais do que a simples junção dos seus pontos positivos.
  • Assume uma prática pedagógica onde o professor percebe as coisas que deram errado para reestruturar sua prática.
  • É aqui que podemos perceber a melhor qualidade de realização dos nados formais e de domínio da água.
  • Marcada por uma organização permanente da prática pedagógica.
  • Natação é diferente dos nados. A aprendizagem da natação consiste, basicamente, do domínio do corpo na água; na autonomia do indivíduo. A aprendizagem dos nados está relacionada a aprendizagem dos nados formais. Assim, primeiro se aprende natação, para depois se aprender os nados.
  • É marcada por uma evolução na teoria e na prática da natação.
  • As técnicas dos nados formais são fruto da ciência.
  • A aprendizagem ocorre na água e pela água. Assim, o aprendiz realiza os movimentos na água, sentindo e percebendo a interação da água com o corpo e suas consequências.
  • Valoriza a familiarização (adaptação ao meio aquático) com a água.
  • Saber nadar significa resolver, em qualquer eventualidade os problemas de: equilíbrio, respiração e propulsão. Estes três conteúdos são tratados de forma mais complexa. Mas saber nadar (ter autonomia) é diferente de saber nadar com técnica (realizar os nados formais).
  • Tem-se a ideia de uma pedagogia da informação e da percepção. Os alunos devem receber informações relativas ao que devem saber fazer. Além disso, devem perceber o movimento que realizam e o corpo próprio corpo na água.

 A partir do entendimento das principais características das três Concepções de Ensino da Natação, veja a seguir – em um resumo, os principais pontos positivos e negativos das Concepções Global e Analítica.

PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA CONCEPÇÃO GLOBAL

Pontos Positivos

  • Aprendizagem no meio aquático.
  • Atitude ativa do aluno no processo de aprendizagem.
  • Respeito pelos imperativos psicológicos (já que não há qualquer imposição externa).
  • Respeito pelas estruturas biológicas e limitações momentâneas (já que não há qualquer imposição externa).
  • Hierarquia e cronologia das etapas de aprendizagem (que acontecem naturalmente a partir dos interesses do aprendiz e imposições do ambiente): equilíbrio, respiração e propulsão.
  • Modalidades de nado adaptados às necessidades e circunstâncias.
  • A aprendizagem também ocorre por meio da tentativa e do erro (exploração livre do ambiente).

 Pontos Negativos

  • Anarquia e espontaneidade.
  • Ausência de método.
  • Ausência de professor, que não pode descobrir os erros e deles tirar lições e propor correções.
  • Erros podem significar perda de tempo e não levar, necessariamente, a aprendizagem.
  • Lentidão na aprendizagem devido às necessidades (de aprendizagem) impostas pelo ambiente e pela tarefa que acontecem ao acaso.
  • Não simplificação do gesto.
  • Confiança na adaptação instintiva a partir da experimentação do movimento.
  • Acreditar que o processo de aprendizagem naturalmente acontecerá com o tempo.

PONTOS POSITIVOS E NEGATIVOS DA CONCEPÇÃO ANALÍTICA

Pontos Positivos

  • Tentativa metodológica de ensino.
  • Formas coletivas de trabalho sob o comando do professor.
  • Esforço para dividir as dificuldades e abordá-las sucessivamente e com progressão.
  • Introdução de exercícios (educativos) como meio de aprendizagem.
  • Aparição do educativo para preparar o aluno a realização de tarefas mais difíceis.
  • Progressão da dificuldade como característica de ensino.

Pontos Negativos

  • Análise subjetiva e incompleta do problema (do ensinar a nadar).
  • Natação reduzida apenas aos movimentos.
  • Estudo dos movimentos a seco, fora da água.
  • Criação de um nado artificial: o Peito.
  • Atitude passiva do aluno, pois só reproduz movimento.
  • Movimentos considerados em si, e não o que eles representam (o nado).
  • Decomposição arbitrária do movimento, descontextualizando-o.
  • Estudo de “posições” e não do próprio nado.
  • Mecanização do movimento e da aprendizagem.
  • Noção de uma duração para a aprendizagem do saber nadar. Como os movimentos eram fracionados e padronizados, se acreditava que todos poderiam aprender no mesmo tempo e seguindo o mesmo caminho.
  • Utilização de aparelhos para a realização/aprendizagem dos movimentos.
  • Professor substituído por máquina e disco contendo orientações do que fazer.

CONCLUSÃO

A principal intenção desse texto foi mostrar para você que a nossa realidade de ensino da natação nem sempre foi a que você conhece. Além disso, é importante considerar que a forma de ensinar natação continua evoluindo.

Por isso é importante que você continue estudando e fazendo reflexões de como esse tipo de conhecimento pode influenciar positivamente na sua prática profissional.

Um abraço e até a próxima.

REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA
  • CATTEAU, R.; GAROFF, G. O ensino da natação. 3. São Paulo: Manole, 1990.

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