O simples nem sempre é tão simples
- Postado por Guilherme Tucher
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- Data 22 de janeiro de 2022
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Outro dia meu irmão me mandou um áudio pelo WhatsApp com uma mensagem de um amigo dele. A pergunta que esse amigo queria me fazer é a seguinte: tem problema se eu nadar todo dia ou é melhor intercalar um dia sim e outro não?
A pergunta dele é legítima, simples e eu tenho certeza de que ele queria uma resposta também simples, sem muitas justificativas e razões do meu posicionamento. Algo como faça isso ou aquilo. É isso que as pessoas esperam. Entretanto, foi extremamente difícil responder a essa pergunta, pode acreditar.
Lembrando de outro caso, bem parecido, uma vez uma pessoa da família me pediu dicas para emagrecer em dois dias, pois precisava entrar no vestido que queria usar no ano novo. Eu tentei explicar para a pessoa que as coisas não são tão simples assim e que além disso, eu sou professor, não mágico.
Ela não gostou da resposta, pois afinal de constas a pergunta dela era simples! Ao final ainda fui obrigado a ouvir algo como “de que adianta estudar tanto se não consegue responder uma pergunta tão simples”.
A pergunta pode ser simples, mas a resposta não necessariamente.
Voltando ao caso do amigo do meu irmão, as considerações que eu farei aqui não são exatamente as que eu passei para ele, pois quero discutir outra coisa.
O meu ponto é que à medida que conhecemos mais sobre determinado assunto passamos a compreender melhor o quanto as coisas são complexas. Não é o caso daquela pessoa que vê problema em tudo e quer dificultar tudo. Não é esse o caso.
Estou me referindo a profundidade do conhecimento que te faz considerar as diversas possibilidades e variáveis envolvidas em uma ação, decisão ou resposta. Por outro lado, muitas vezes a ignorância (o desconhecimento sobre determinado assunto) acaba sendo uma benção, pois as coisas se tornam muito simples para você – já que você não toma conhecimento sobre o que realmente está falando ou das consequências das suas ações.
Nesse meu caso em particular, a resposta é relativamente complexa porque fazer natação todos os dias ou em dias intercalados pode ter os mesmos benefícios ou prejuízos. Então depende.
Depende de um conjunto de condições que muitas vezes as pessoas não levam em consideração. Cito alguns exemplos:
- Quais são os objetivos que ele tem com a prática da natação?
- Como é a técnica dele de nado? Será que ele nada os quatro nados ou apenas o Crawl?
- Há quanto tempo ele já treina? Ou será que está recomeçando os treinos ou nunca nadou?
- Qual é a duração e a intensidade de cada uma dessas sessões treino?
- Será que ele faz alguma outra atividade física regular? Se sim, que atividade é essa, qual é a sua intensidade e frequência semanal?
- Como será a rotina dele de trabalho?
- Como são as suas noites de sono?
- Como está a alimentação? Está adequada para atender as suas necessidades e a do treino?
- Será que ele sente alguma dor, desconforto ou tem alguma lesão?
São tantas dúvidas que fica um pouco difícil dar uma resposta simples.
O conhecimento te leva a solucionar um problema de uma maneira melhor não porque a questão é simples, mas porque você, na verdade, entende que ela é complexa.
Sabendo disso, controla e intervém adequadamente em cada um dos pontos que é necessário, oportunizando um resultado melhor.
O aluno, muitas vezes, não percebe essa diferença, pois também enxerga as coisas de maneira simples – infelizmente. Ele está na base da montanha, mas acha que já escalou o suficiente para enxergar todo o horizonte. Dali enxerga apenas uma parte da situação, onde as coisas parecem simples.
Só é possível reconhecer o conhecimento se você tiver conhecimento. Só é possível perceber a qualidade, se você souber o que é qualidade. Não é que eu queira tornar as coisas mais complexas do que realmente são.
É que o conhecimento me faz perceber que nem tudo é tão simples e que tem coisas que eu, sinceramente, não tenho resposta. Tem coisas que eu sei, que eu conheço. Mas tem coisas que eu não sei, que eu não conheço, e não há nada de errado nisso.
É docente no curso de graduação e no programa e pós-graduação em educação física da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na EEFD ainda é coordenador do Grupo de Pesquisa em Ciências dos Esportes Aquáticos (GPCEA).
Doutor em Ciências do Desporto (2015), Mestre em Ciência da Motricidade Humana (2008), Especialista em Esporte de Alto Rendimento (2014), em Natação e Atividades Aquáticas (2004) e em Treinamento Desportivo (2005), e Graduado em Educação Física (2003).
Docente no ensino superior desde 2005, atuou ainda como professor de natação trabalhando com diferentes níveis de aprendizagem e aperfeiçoamento, bem como treinador de natação competitiva participando de campeonatos estaduais (RJ) e nacionais.