Como eu comecei
- Postado por Guilherme Tucher
- Categorias Notícias, TOP - Natação
- Data 29 de maio de 2024
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COMO EU COMECEI E COMO EU MUDEI
Esse é mais um texto sobre planejamento das aulas de natação. Mas será diferente, pois nele eu vou contar como foi o meu processo de entender o que realmente é planejar uma boa aula.
Recentemente eu fiz uma enquete no meu canal do Telegram aonde eu digo que tenho interesse em começar a fazer algumas lives no meu canal do YouTube. Nessa enquete eu sugiro temas e peço que as pessoas votem a partir do seu interesse.
Dentre as propostas há:
- Ensino da AMA.
- Ensino dos nados.
- Planejamento do ensino da natação.
- Utilização de materiais nas aulas de natação.
- A técnica dos nados.
- Condicionamento físico para jovens e adultos por meio da natação.
- Correção dos erros dos nados.
Se você quiser fazer parte do meu grupo no Telegram, clique aqui.
Pois é…
Eu confesso que fiquei um pouco surpreso com o resultado. Eu realmente não sabia o que esperar, mas não contava que “planejamento do ensino da natação” não fosse escolhido por ninguém. Quando escrevi esse texto essa era a realidade.
Eu fiquei me perguntando o motivo de não considerarem esse tema relevante:
- será que eles já sabem tudo sobre esse assunto,
- será que eles não querem saber nada sobre esse assunto ou
- será que já desistiram de planejar suas aulas?
Eu me preocupo porque considero que esse é um dos temas mais importantes quando falamos sobre ensino, pois afinal de contas precisamos saber o que ensinar e como ensinar.
Dentro dessa preocupação do “como ensinar” há todas as questões relacionadas ao planejamento.
Será então que, na verdade, ainda não sabemos a grandeza do que significa “planejamento da aulas de natação”?
Eu vou te contar como esse assunto bateu a minha porta.
Eu comecei a trabalhar com natação mais ou menos em 2001, ainda no segundo período da faculdade. Isso para mim foi muito importante, pois eu tive a oportunidade de ter os desafios da prática ao mesmo tempo que ainda recebia as informações da graduação.
De qualquer maneira, eu entendo que isso não é o correto e que eu não era o melhor professor que os alunos poderiam ter. Mas eu tentava ser. Minha única experiência era ter cursado uma disciplina de natação na faculdade e ter atuado como monitor.
Mesmo assim, com pouquíssima experiência, eu me lembro de ter feito o meu plano de aula e de levá-lo para a piscina. Isso mesmo, eu levei para a piscina. Sinceramente não sei o motivo dessa iniciativa. Talvez por não saber o que pudesse encontrar pela frente. Insegurança. Não sei.
Mas eu não me lembro como descobri sobre a existência desse documento. Talvez ele tivesse sido mencionado em alguma disciplina mais relacionada a educação física escolar nas minhas aulas na graduação.
Ou talvez pela leitura já iniciada do livro “A Ciência do Ensino da Natação”, no qual o autor – Ernest Palmer, um engenheiro, explicava sobre o ensino da natação e sugeria um modelo de plano de aula.
Isso mesmo um engenheiro. Apesar de toda a simplicidade do livro, ainda não conheço nada parecido em livros de natação.
Nossos livros de natação não falam sobre ensino ou sobre planejamento do ensino. Ainda, pois um livro nosso sairá em breve.
A grande questão é que até esse momento, planejar o ensino da natação, para mim, se resumia a fazer plano de aula. De qualquer forma isso era bom para mim, pois me forçava a estudar e a pensar sobre as minhas aulas.
Era importante porque eu não tinha experiência nenhuma com o ensino da natação. Experiência nenhuma com o ensino de nada. Eu só sabia nadar.
E por muito tempo eu segui assim. Final de semana eu fazia o plano de aula daquela semana de aula das minhas turmas. Apesar da limitação relacionada a reduzir todo um planejamento a confecção de um plano de aula, isso me forçava a estudar e a a pensar sobre ensino – como eu já destaquei. Isso foi muito importante para mim.
Mas chegou um momento da minha carreira, que eu não me lembro exatamente qual, que eu comecei a perceber que estava agindo errado. O plano de aula deveria ser o final de um processo de planejamento, não um fim em si mesmo.
Como eu disse, eu não sei quando foi que a ficha caiu, quando houve essa mudança de chave, mas eu posso supor quais foram as influências que me levaram a mudar.
Eu acredito que a primeira influência veio dos meus estudos individuais, ainda na graduação, sobre treinamento esportivo e periodização.
Ao elaborar uma periodização não começamos a pensar o treinamento pela sessão de treinamento, que seria o equivalente a uma aula de natação. Muito pelo contrário. Essa é a última parte da tarefa.
A primeira coisa que devemos fazer é identificar as características do nosso atleta, seus pontos fortes e fracos, estudar a necessidade competitiva, entender quais são as necessidades do treinamento e quando será a competição.
Só depois disso que pensamos na divisão do macrociclo em seus períodos e fases, seus mesociclos (cada um com seus objetivos) e microciclos (cada um com suas características). Finalmente, só depois disso tudo, que chegamos à sessão de treinamento.
Percebam, então, bem resumidamente, que partimos de uma estrutura maior até chegar em uma estrutura menor. Partimos de uma estrutura mais abstrata, pensada em longo prazo (o macrociclo), para chegar em uma estrutura mais concreta e de curtíssimo prazo – o agora; que é a sessão de treinamento.
De qualquer maneira, é esse somatório de “agoras” (sessões de treinamento) que levará o meu atleta a alcançar os objetivos de longo prazo (do macrociclo).
Eu acho que uma segunda influência veio de um documento chamado Projeto Político Pedagógico (PPP). Na graduação, nas disciplinas mais relacionadas a licenciatura, a gente ouve falar de um tal de PPP. Esse PPP apareceu novamente em minha vida quando trabalhei na educação física escolar e, depois, quando ministrei uma disciplina no programa de mestrado profissional do Instituto Federal onde trabalhei.
O PPP é uma espécie de mapa (gravem essa expressão), que serve para guiar a instituição a crescer e melhorar sua qualidade de ensino.
Assim, como o macrociclo, o PPP leva em consideração quem é o aluno, o seu contexto social e de aprendizagem, bem como o perfil esperado do egresso.
A terceira influência eu suponho que tenha vindo de outro documento relacionado ao ensino, chamado de Projeto Pedagógico de Curso (PPC). Quando eu comecei a trabalhar com o ensino superior eu conheci esse documento. Ele é uma proposta muito parecida com a do PPP – um mapa para guiar a instituição, alunos e professores ao longo do curso de graduação.
Devido a essas experiências, e possivelmente outras que eu não me lembro claramente, eu cheguei à conclusão de que SOMENTE fazer o meu plano de aula para as minhas aulas de natação era muito pouco. Isso não era planejamento.
COMO EU PENSO ATUALMENTE
A partir dessas experiências e conhecimentos que adquiri, você sabe como eu penso atualmente? Você sabe qual é o meu entendimento sobre esse assunto? Eu vou te contar.
A primeira coisa que precisamos fazer é determinar ou conhecer quais são os objetivos institucionais. Nesse caso, quais são os objetivos da sua Escola de Natação (clube, academia ou projeto social)?
Ou seja, o que ela espera, em termos de natação, para as pessoas que ela atende?
Dentro dessa ideia do “que ela espera” serão determinados os objetivos da Escola de Natação (EN). As EN podem existir por motivos diversos: formar atletas, ensinar natação, oferecer prática de atividade esportiva, contribuir com a adoção de uma vida fisicamente ativa e saudável, contribuir com a prevenção de afogamentos, preparar as pessoas para exames e testes físicos de natação e diversos outros.
Qual é o objetivo da sua EM?
A EN também pode ter mais de um objetivo. Esses são apenas exemplos.
A partir disso ficará mais claro para gente quem é o nosso público-alvo. Da mesma maneira, o tempo necessário para se alcançar esses objetivos.
Dependendo do objetivo da EN precisamos apenas de poucos meses. Dependendo do objetivo, precisaremos de vários anos. Tudo isso porque existem diversas intenções do “saber nadar”.
O mais engraçado que isso não é claro para os gestores, professores, alunos e pais. Por isso que não saímos do lugar em termos de desenvolvimento da natação.
A partir da complexidade dos objetivos e do tempo necessário para se alcançar esses objetivos da EN, precisaremos dividir esse tempo maior em momentos menores. Esses momentos menores serão os níveis de aprendizagem.
Cada nível de aprendizagem terá, da mesma maneira, seus objetivos. Afinal de contas, o que se espera que os alunos alcancem ao final de um nível? Se você não souber essa resposta, como vai saber o que deve ensinar? Já pensou sobre isso?
Conhecendo os objetivos do nível de aprendizagem será possível identificar quais são os conteúdos de ensino. Assim, o próximo passo é distribuir o ensino desses conteúdos de ensino ao longo da duração do nível.
Afinal de contas, o que deve ser ensinado primeiro? O que deve ser ensinado só por um momento ou por todo o nível?
Essa reflexão e construção intelectual te levará a elaborar um plano de curso. Agora você já sabe o que deve ser ensinado semanalmente aos alunos durante todo o transcorrer de um nível de aprendizagem.
Você pode ensinar mais de um conteúdo por semana. Cada conteúdo pode ter importância diferente em uma mesma semana. A questão é a seguinte: você lembra da ideia do mapa? Pois bem, o plano de curso é o seu mapa.
É o caminho que será percorrido pelos alunos, com a ajuda do professor, para que ele aprenda o que foi determinado para o nível (não aquilo que saiu da cabeça do professor enquanto ele estava almoçando e que no jantar já era diferente).
Agora, só agora, que devemos pensar no plano de aula. Viu por que eu estava errado?
O plano de aula é o final do processo de planejamento. Agora que eu já sei onde eu me encontro dentro dessa estrutura de planejamento mais concreta, que chamamos de plano de curso, que eu tenho reais e melhores condições de saber como fazer o meu plano de aula.
Isso sim é planejamento das aulas de natação.
Eu espero que vocês tenham gostado da discussão, que tenha motivado vocês a repensarem a questão do planejamento das aulas de natação.
No meu canal do YouTube tem vários outros vídeos que tratam desse assunto. Aproveite.
Nos vemos na próxima.
É docente no curso de graduação e no programa e pós-graduação em educação física da Escola de Educação Física e Desportos (EEFD) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Na EEFD ainda é coordenador do Grupo de Pesquisa em Ciências dos Esportes Aquáticos (GPCEA).
Doutor em Ciências do Desporto (2015), Mestre em Ciência da Motricidade Humana (2008), Especialista em Esporte de Alto Rendimento (2014), em Natação e Atividades Aquáticas (2004) e em Treinamento Desportivo (2005), e Graduado em Educação Física (2003).
Docente no ensino superior desde 2005, atuou ainda como professor de natação trabalhando com diferentes níveis de aprendizagem e aperfeiçoamento, bem como treinador de natação competitiva participando de campeonatos estaduais (RJ) e nacionais.